quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Empoderamento da Mulher no Campo e a Agricultura Familiar



Esse é um tema de grande relevância, pois na zona rural, por muitas décadas, o homem sempre esteve à frente da agricultura familiar. Os tempos mudaram e a mulher passou a desempenhar funções e buscar novas oportunidades para alcançar seu espaço no meio rural, apesar de não ser totalmente reconhecida em termos de políticas e de programas específicos para o meio rural. O caminho para uma melhor agricultura familiar já é comandado por mulheres rurais, que tem mais capacidade de contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária e sustentável, além de fazerem a diferença na segurança alimentar das próximas gerações.

Para conhecer melhor a realidade do desempenho da mulher no campo e seu empoderamento na agricultura familiar, conversamos com o amigo Gleycon Silva, Mestre em Ciências Ambientais, com sólidos conhecimentos em Agroecologia, Agricultura Sustentável, Sustentabilidade, Meliponicultura, Polinização e Educação Ambiental.

AJO AMBIENTAL

Gleycon, é um prazer ter a oportunidade de falar de suas experiências com a agricultura familiar. Gostaríamos que você falasse sobre a realidade da mulher no campo e qual o caminho para o seu empoderamento na agricultura familiar?

 Gleycon

Atualmente as mulheres estão vencendo muitas barreiras impostas e transformando a visão antiquada de “ajudantes” de seus maridos na agricultura familiar, e representam cerca de  40% de todo rendimento familiar no campo. Existem aproximadamente 14 milhões de mulheres, produtoras rurais, envolvidas em todos os processos realizados nas lavouras, comunidades e reservas extrativistas. Além disso, estas mulheres têm sido protagonistas no cenário da agricultura familiar, pois são responsáveis por mais de 45% da produção e colheita. Devido a isso, são consideradas as principais responsáveis pela produção de autoconsumo familiar e pelo manejo sustentável dos solos e das águas, garantindo uma maior qualidade de vida na família e na sociedade. A melhor maneira de empoderar essas mulheres é capacitando-as com cursos e treinamentos de técnicas, das quais elas possam aperfeiçoar suas habilidades, pois embora muitas mulheres estejam a frente como responsáveis pelas atividades no campo, muitas delas não possuem cursos específicos de como melhorar suas técnicas de cultivo, de como agregar valor ao que produzem e nem de como administrar sua lavoura. A disseminação de conhecimento é a melhor forma de empoderar essas mulheres guerreiras!

AJO Ambiental

Segundo levantamento da Ong Oxfam Brasil, apenas 5% das propriedades rurais tem mulheres como proprietárias. Com esses dados, podemos dizer que ainda falta muito para as mulheres terem seus direitos reconhecidos no meio rural?

Gleycon

Infelizmente falta muito, o mercado financeiro ainda é machista!  Embora diga que não, os números e os resultados de pesquisas mostram que sim. Há dados que mostram que apesar das mulheres serem as principais agricultoras familiares em países pobres da América Latina e do Caribe, muitas estão em situação de extrema pobreza e isso é um absurdo. Para mim, não tem cabimento uma pessoa viver no campo agrícola e ainda permanecer numa situação tão crítica como essa! Algo precisa ser mudado. É necessário que o mercado financeiro  enxergue que toda mulher tem seu direito em buscar formas de potencializar suas lavouras e investir em melhores técnicas para aumentar a qualidade de sua produção e consequentemente melhorar sua renda.

AJO Ambiental

Gostaria que você falasse sobre os direitos das mulheres no campo e quais os caminhos que elas podem trilhar para serem reconhecidas no meio rural?

Gleycon

No dia 29/07/2020 foi lançado a campanha mais atual em relação aos direitos das mulheres do campo. Esta campanha foi de iniciativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com apoio dos governos dos países da América Latina e do Caribe. Ela visa “dar visibilidade às mulheres rurais, indígenas e afrodescendentes que vivem e trabalham em um contexto de desigualdades estruturais e desafios sociais, econômicos e ambientais, agravado pelo impacto da pandemia de covid-19”. Este tipo de campanha reforça o valor e direitos da mulher como o direito ao desenvolvimento profissional, direito a ter sua propriedade, direito a estudar e se capacitar, e um dos direitos mais importantes é o combate a violência feminina! Para que esses direitos sejam assegurados, precisamos de Políticas Públicas eficazes e que realmente acolham as mulheres quando elas necessitarem, pois não basta criar campanhas se esses direitos realmente não estiverem amparados por Leis e por Políticas Públicas que sejam implementadas e levadas a sério para que toda mulher tenha segurança e condições de ter uma vida digna no campo. Desta forma, se  elas possuírem recursos e capacitação, a tendência é que empoderem-se ainda mais!

 AJO Ambiental

Certamente você conhece bons exemplos de mulheres engajadas na agricultura familiar que empoderam outras mulheres. Poderia falar da experiência dessas mulheres?

 Gleycon

Sim, me sinto privilegiado por conhecer de perto o trabalho de algumas mulheres que são engajadas na agricultura familiar e que fazem parte de ações sociais! Pude conhecer de perto o trabalho realizado pelas mulheres na Coopfam (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo), a qual trabalha com café e eles possuem um trabalho muito bonito para empoderar e capacitar suas cooperadas com oficinas e cursos. Além disso, há uma linha de café feminino, onde a lavoura é 100% administrada por mulheres!  Um grande exemplo que pude ter a honra de acompanhar de perto durante meu mestrado foi a Flávia Penha, moradora da zona rural de Poço Fundo – MG, que junto ao marido Márcio tocam uma lavoura orgânica e agroecológica de café, além de uma horta orgânica. A Flávia é um grande exemplo de mulher que acorda de madrugada, pega no cabo da enxada, trabalha faça sol ou chuva, carrega o carro com seus produtos e sai para fazer entregas e para feiras na região onde vende suas produções. Administra todos os processos desde a colheita até a venda, além de tudo é mãe e dona de casa. Ela é um grande exemplo e me inspiro muito em mulheres assim!

 AJO Ambiental

Muito importante a presença e a atuação da mulher no campo!  Parabenizamos todas as mulheres do campo que empoderam outras mulheres a contribuírem para o progresso da agricultura familiar no Brasil. E fechando a nossa entrevista, agradecemos a importante contribuição do amigo Gleycon e esperamos que as políticas públicas sejam mais acessíveis às mulheres do meio rural e que cada vez mais elas conquistem espaços na agricultura familiar.